quarta-feira, 23 de abril de 2008

La Mort des Amants / A Morte dos Amantes - Charles Baudelaire

La Mort des Amants

Nous aurons des lits pleins d'odeurs légères,
Des divans profonds comme des tombeaux,
Et d'étranges fleurs sur des étagères,
Écloses pour nous sous des cieux plus beaux.

Usant à l'envi leurs chaleurs dernières,
Nos deux coeurs seront deux vastes flambeaux,
Qui réfléchiront leurs doubles lumières
Dans nos deux esprits, ces miroirs jumeaux.

Un soir fait de rose et de bleu mystique,
Nous échangerons un éclair unique,
Comme un long sanglot, tout chargé d'adieux;

Et plus tard un Ange, entr'ouvrant les portes,
Viendra ranimer, fidèle et joyeux,
Les miroirs ternis et les flammes mortes.


A Morte dos Amantes

Vamos ter lençóis de aura ligeira,
profundo divã como um mausoléu,
e flores estranhas na prateleira
abertas pra nós sob um outro céu.

No fim da paixão, chama derradeira,
nossos corações, como um fogaréu,
irão refletir sua luz parceira
nas almas iguais, espelhos sem véu.

Numa tarde rosa e azul-desmaio,
nós vamos trocar um único raio,
um longo soluço cheio de adeus;

e depois um Anjo, ao abrir as portas,
dará vida novas aos teus e meus
espelhos sombrios e chamas mortas.

Charles Baudelaire,
tradução Jorge Pontual

terça-feira, 22 de abril de 2008

A Year in the Merde - Stephen Clarke

"My good friend Chris told me not to come to France. Great lifestyle, he said, great food, and totally unpolitically correct women with great underwear.
But, he warned me, the French are hell to live with. He worked in the London office of a French bank for three years.
" - They made all us Brits redundant the day after the French football team got knocked out of the World Cup. No way was that a coincidence," he told me.
His theory was that the French are like the woman scorned. Back in 1940 they tried accents and their big-nosed Général de Gaulle, and ever since we've done nothing but poison them with our disgusting food and try to wipe the French language off the face of the Earth. That's why they built refugee camps yards from the Eurotunnel entrance and refuse to eat our beef years after it was declared safe. It's permanent payback time, he said. Don't go there.
Sorry, I told him, I've got to go and check out that underwear."

7

MADALENA (Enxuga os olhos e toma uma atitude grave e firme)
- Levantai-vos, Telmo, e ouvi-me. (Telmo levanta-se.) Ouvi-me com atenção. É a primeira e será a última vez que vos falo deste modo e em tal assunto. Vós fostes o aio e amigo de meu Senhor... de meu primeiro marido, o Senhor D.João de Portugal; tínheis sido o companheiro de trabalhos e de glória de seu ilustre pai, aquele nobre conde de Vimioso, que eu de tamanhinha me acostumei a reverenciar como pai. Entrei depois nessa família de tanto respeito; achei-vos parte dela, e quase vos tomei a mesma amizade que aos outros...Chegastes a alcançar um poder no meu espírito, quase maior - decerto maior - que nenhum deles. O que sabeis da vida e do mundo, o que tendes adquirido na conversação dos homens e dos livros, - porém, mais do que tudo, o que de vosso coração fui vendo e admirando cada vez mais - me fizeram ter-vos numa conta, deixar-vos tomar, entregar-vos eu mesma tal autoridade nesta casa e sobre minha pessoa...que outros poderão estranhar...

TELMO - Emendai-o, Senhora.

MADALENA - Não, Telmo, não preciso nem quero emendá-lo. Mas agora deixai-me falar. Depois que fiquei só, depois daquela funesta jornada de África que me deixou viúva, órfã e sem ninguém...sem ninguém, e numa idade...com dezassete anos! - em vós, Telmo, em vós só, achei o carinho e protecção, o amparo que eu precisava. Ficastes-me em lugar de pai: e eu...salvo numa coisa! - tenho sido para vós, tenho-vos obedecido como filha.

TELMO - Oh, minha Senhora, minha Senhora! mas essa coisa em que vos apartastes dos meus conselhos...

MADALENA - Para essa houve poder maior que as minhas forças...D. João ficou naquela batalha com seu pai, com a flor da nossa gente. (Sinal de impaciência em Telmo.) Sabeis como chorei a sua perda, como respeitei a sua memória, como durante sete anos, incrédula a tantas provas e testemunhos de sua morte, o fiz procurar por essas costas de Berberia, por todas as séjanas de Fez e Marrocos, por todos quantos aduares de Alarves aí houve... Cabedais e valimentos, tudo se empregou; gastaram-se grossas quantias; os embaixadores de Portugal e Castela tiveram ordens apertadas de o buscar por toda a parte; aos padres da Redenção, a quanto religioso ou mercador podia penetrar naquelas terras, a todos se encomendava o seguir a pista do mais leve indício que pudesse desmentir, pôr em dúvida ao menos aquela notícia que logo viera com as primeiras novas da batalha de Alcácer. Tudo foi inútil; e a ninguém mais ficou resto de dúvida...

TELMO - Senão a mim.

MADALENA - Dúvida de fiel servidor, esperança de leal amigo, meu bom Telmo! que diz com vosso coração, mas que tem atormentado o meu...E então sem nenhum fundamento, sem o mais leve indício...Pois dizei-mo em consciência, dizei-mo de uma vez, claro e desenagando: a que se apega esta vossa credulidade de sete...e hoje mais catorze...vinte e um anos?

Acto I, Cena II
Frei Luís de Sousa,Almeida Garrett

O Cântico dos Cânticos

CÂNTICO dos cânticos, que é de Salomão.
Beije-me ele com os beijos da sua boca; porque melhor é o teu amor do que o vinho. Suave é o aroma dos teus unguentos; como o unguento derramado é o teu nome; por isso as virgens te amam.
Leva-me tu; correremos após ti. O rei introduziu-me nas suas câmaras; em ti nos regozijaremos e nos alegraremos; do teu amor nos lembraremos, mais do que do vinho; os retos te amam
[---]

Enquanto o rei está sentado à sua mesa, o meu nardo exala o seu perfume.
O meu amado é para mim como um ramalhete de mirra, posto entre os meus seios.
Como um ramalhete de hena nas vinhas de En-Gedi é para mim o meu amado.
Eis que és formosa, ó meu amor, eis que és formosa; os teus olhos são como os das pombas.
Eis que és formoso, ó amado meu, e também amável; o nosso leito é verde.
[...]

Que belos são os teus amores, minha irmã, esposa minha! Quanto melhor é o teu amor do que o vinho! E o aroma dos teus ungüentos do que o de todas as especiarias!
Favos de mel manam dos teus lábios, minha esposa! Mel e leite estão debaixo da tua língua, e o cheiro dos teus vestidos é como o cheiro do Líbano.
Jardim fechado és tu, minha irmã, esposa minha, manancial fechado, fonte selada.
Os teus renovos são um pomar de romãs, com frutos excelentes, o cipreste com o nardo

domingo, 20 de abril de 2008

O Principezinho - Antoine de Saint-Exeupéry

"- Não posso brincar contigo - disse a raposa.
- Ainda não me cativaste...
- O que significa cativar?
- É uma coisa de que toda a gente se esqueceu - disse a raposa
- Significa "criar laços".- Laços?
- Sim, laços - disse a raposa. - Ora vê: por enquanto, para mim, tu não és senão um rapazinho perfeitamente igual a outros cem mil rapazinhos. E eu não preciso de ti. E tu também não precisas de mim. Por enquanto, para ti, eu não sou senão uma raposa igual a outras cem mil raposas. Mas, se tu me cativares, passamos a precisar um do outro. Passas a ser único no mundo para mim. E, para ti, eu também passo a ser única no mundo...
- Parece-me que estou a começar a perceber - disse o principezinho.
-Sabes, há uma certa flor... tenho a impressão que ela me cativou.
- É bem possível - disse a raposa. - Vê-se cada coisa cá na terra...
(...)
- Tenho uma vida terrivelmente monótona. Eu, caço galinhas e os homens, caçam-me a mim. As galinhas são todas iguais umas às outras e os homens são todos iguais uns aos outros. Por isso, às vezes, aborreço-me um bocado. Mas, se tu me cativares, a minha vida fica cheia de Sol. Fico a conhecer uns passos diferentes de todos os outros passos. Os outros passos fazem-me fugir para debaixo da terra. Os teus hão-de chamar-me para fora da toca, como uma música. E depois, olha! Estás a ver, ali adiante, aqueles campos de trigo? Eu não como pão e, por isso, o trigo não me serve para nada. Os campos de trigo não me fazem lembrar de nada. E é uma triste coisa! Mas os teus cabelos são da cor do ouro. Então, quando tu me cativares, vai ser maravilhoso! Como o trigo é dourado, há-de fazer-me lembrar de ti. E hei-de gostar do barulho do vento a bater no trigo...
A raposa calou-se e ficou a olhar durante muito tempo para o principezinho.
- Por favor... cativa-me! - acabou finalmente por dizer.
- Eu bem gostava - respondeu o principezinho - mas não tenho muito tempo. Tenho amigos para descobrir e uma data de coisas para conhecer...
- Só conhecemos as coisas que cativamos - disse a raposa. - Os homens, agora, já não têm tempo para conhecer nada. Compram as coisas já feitas aos mercadores. Mas como não há mercadores de amigos, os homens já não têm amigos. Se queres um amigo, cativa-me!
- E o que é que é preciso fazer? - perguntou o principezinho.
- É preciso ter muita paciência. Primeiro, sentas-te um bocadinho afastado de mim, assim em cima da relva. Eu olho para ti pelo canto do olho e tu não dizes nada. A linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas todos os dias te podes sentar um bocadinho mais perto...
O principezinho voltou no dia seguinte.
- Era melhor teres vindo à mesma hora - disse a raposa. Se vieres, por exemplo, às quatro horas, às três, já eu começo a ser feliz. E quanto mais perto for da hora, mais feliz me sentirei. Às quatro em ponto já hei-de estar toda agitada e inquieta: é o preço da felicidade! Mas se chegares a uma hora qualquer, eu nunca saberei a que horas é que hei-de começar a arranjar o meu coração, a vesti-lo, a pô-lo bonito... São precisos rituais.
(...)
Foi assim que o pricipezinho cativou a raposa. E quando chegou a hora da despedida:
- Ai! - exclamou a raposa - Ai que me vou pôr a chorar...
- A culpa é tua - disse o principezinho. - Eu bem não queria que te acontecesse mal nenhum, mas tu quiseste que eu te cativasse...
- Pois quis - disse a raposa.
- Mas agora vais-te pôr a chorar! - disse o principezinho.
- Pois vou - disse a raposa.
- Então não ganhaste nada com isso!
- Ai isso é que ganhei! - disse a raposa. - Por causa da cor do trigo...
- Anda, vai ver outra vez as rosas. Vais perceber que a tua é única no mundo. Quando vieres ter comigo, dou-te um presente de despedida: conto-te um segredo.
(...)
- Adeus...
- Adeus - disse a raposa. - Vou-te contar o tal segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos...
- O essencial é invisível para os olhos - repetiu o principezinho, para nunca mais se esquecer.
- Foi o tempo que tu perdeste com a tua rosa que tornou a tua rosa tão importante.
- Foi o tempo que eu perdi com a minha rosa... - repetiu o principezinho, para nunca mais se esquecer.
- Os homens já se esqueceram desta verdade - disse a raposa. - Mas tu não te deves esquecer dela. Ficas responsável para todo o sempre por aquilo que cativares. Tu és responsável pela tua rosa...
- Sou responsável pela minha rosa... - repetiu o principezinho, para nunca mais se esquecer."

quinta-feira, 17 de abril de 2008

O retrato de Dorian Gray - Oscar Wilde

"Ao rodar o puxador, o olhar caiu-lhe sobre o retrato que Basil Hallward lhe pintara. Recuou, surpreendido. Entrou no quarto, intrigado. Assim que desabotoou o casaco, pareceu hesitar. Finalmente voltou atrás, acercou-se da pintura e examinou-a.
À indistinta luz que se coava através dos cortinados de seda creme, pareceu-lhe que o rosto estava um pouco mudado. A expressão era diferente. Dir-se-ia que a boca apresentava um toque de crueldade. Era, sem dúvida, estranho. (...)
Mas o retrato? Que havia de dizer dele? Guardava o segredo da sua vida e contava a sua história. Ensiná-lo-ia a detestar a sua alma?
Devia voltar a olhar para ele?
Não; não passava de uma ilusão fabricada por sentidos perturbados(...)

Para recuperar a minha juventude daria tudo no mundo, excepto fazer exercício, levantar-me cedo e ser respeitável. Juventude! Não há nada que se lhe assemelhe. (...) A tragédia da velhice não é ser velho, é ter sido jovem. Às vezes pasmo com a minha própria sinceridade.
Ah! Dorian, como vocês é feliz! Que vida requintada você tem tido! Bebeu sofregamente de tudo. Esmagou as uvas contra o seu próprio céu da boca. Nada lhe foi ocultado. E nada foi para si mais do que o som da música. Não o arruinou. Você continuou o mesmo".