terça-feira, 22 de abril de 2008

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MADALENA (Enxuga os olhos e toma uma atitude grave e firme)
- Levantai-vos, Telmo, e ouvi-me. (Telmo levanta-se.) Ouvi-me com atenção. É a primeira e será a última vez que vos falo deste modo e em tal assunto. Vós fostes o aio e amigo de meu Senhor... de meu primeiro marido, o Senhor D.João de Portugal; tínheis sido o companheiro de trabalhos e de glória de seu ilustre pai, aquele nobre conde de Vimioso, que eu de tamanhinha me acostumei a reverenciar como pai. Entrei depois nessa família de tanto respeito; achei-vos parte dela, e quase vos tomei a mesma amizade que aos outros...Chegastes a alcançar um poder no meu espírito, quase maior - decerto maior - que nenhum deles. O que sabeis da vida e do mundo, o que tendes adquirido na conversação dos homens e dos livros, - porém, mais do que tudo, o que de vosso coração fui vendo e admirando cada vez mais - me fizeram ter-vos numa conta, deixar-vos tomar, entregar-vos eu mesma tal autoridade nesta casa e sobre minha pessoa...que outros poderão estranhar...

TELMO - Emendai-o, Senhora.

MADALENA - Não, Telmo, não preciso nem quero emendá-lo. Mas agora deixai-me falar. Depois que fiquei só, depois daquela funesta jornada de África que me deixou viúva, órfã e sem ninguém...sem ninguém, e numa idade...com dezassete anos! - em vós, Telmo, em vós só, achei o carinho e protecção, o amparo que eu precisava. Ficastes-me em lugar de pai: e eu...salvo numa coisa! - tenho sido para vós, tenho-vos obedecido como filha.

TELMO - Oh, minha Senhora, minha Senhora! mas essa coisa em que vos apartastes dos meus conselhos...

MADALENA - Para essa houve poder maior que as minhas forças...D. João ficou naquela batalha com seu pai, com a flor da nossa gente. (Sinal de impaciência em Telmo.) Sabeis como chorei a sua perda, como respeitei a sua memória, como durante sete anos, incrédula a tantas provas e testemunhos de sua morte, o fiz procurar por essas costas de Berberia, por todas as séjanas de Fez e Marrocos, por todos quantos aduares de Alarves aí houve... Cabedais e valimentos, tudo se empregou; gastaram-se grossas quantias; os embaixadores de Portugal e Castela tiveram ordens apertadas de o buscar por toda a parte; aos padres da Redenção, a quanto religioso ou mercador podia penetrar naquelas terras, a todos se encomendava o seguir a pista do mais leve indício que pudesse desmentir, pôr em dúvida ao menos aquela notícia que logo viera com as primeiras novas da batalha de Alcácer. Tudo foi inútil; e a ninguém mais ficou resto de dúvida...

TELMO - Senão a mim.

MADALENA - Dúvida de fiel servidor, esperança de leal amigo, meu bom Telmo! que diz com vosso coração, mas que tem atormentado o meu...E então sem nenhum fundamento, sem o mais leve indício...Pois dizei-mo em consciência, dizei-mo de uma vez, claro e desenagando: a que se apega esta vossa credulidade de sete...e hoje mais catorze...vinte e um anos?

Acto I, Cena II
Frei Luís de Sousa,Almeida Garrett

1 comentário:

Anónimo disse...

o sete em sete e o sete tem algo de especial diga-se de passagem :)